A série “50 anos do Tri” relembra, em crônicas e reportagens, a conquista da Copa do Mundo de 1970 pela Seleção Brasileira. Serão várias publicações ao longo do mês de junho, que marca o aniversário do terceiro título mundial do Brasil.
Há 50 anos, no dia 7 de junho de 1970, Brasil e Inglaterra entravam em campo pela segunda rodada da Copa do Mundo. Em uma tarde ensolarada no Jalisco, em Guadalajara, as duas seleções fizeram um dos grandes duelos daquele Mundial. Em uma partida tão equilibrada quanto bem jogada, a Seleção Brasileira levou a melhor e venceu por 1 a 0, com gol de Jairzinho.
Com o triunfo o Brasil se isolou na liderança do Grupo 3, com 100% de aproveitamento. A classificação antecipada não veio, já que um improvável empate triplo com Inglaterra e Romênia na última fase poderia deixar a Seleção de fora das quartas de final. Mas a sensação após o jogo foi de muita empolgação para todos os brasileiros.
As duas equipes chegaram para o duelo embalados por vitórias na estreia. O Brasil derrotara a Tchecoslováquia por 4 a 1, enquanto a Inglaterra havia batido a Romênia por 1 a 0. Nas tribunas inglesas, comentava-se muito sobre uma suposta fragilidade defensiva da Seleção Brasileira, conhecida por seu estilo mais ofensivo. Os britânicos enxergavam a possibilidade de fazer um jogo à altura da Seleção Brasileira. Do lado da Canarinho, havia um receio grande sobre a disciplina tática e o sólido sistema de defesa dos ingleses.
Sem poder contar com Gerson, que se lesionou na estreia, o técnico Zagallo promoveu uma mudança na escalação do Brasil. No lugar do meio-campista, entrou Paulo Cézar Caju. A adição dele à linha de frente da Seleção fez bem ao Brasil. A Inglaterra tinha um 4-4-2 bem formado, com laterais que participavam bastante da construção ofensiva. Mas com os perigosos avanços de Jairzinho e Paulo Cézar, se viu obrigada a adotar uma postura mais conservadora.
O jogo entregou o alto nível que todos esperavam. Era o encontro entre os dois últimos campeões do mundo. Após uma campanha frustrante em 1966, o Brasil trouxe ao México uma equipe bastante renovada. Do time do bicampeonato (58 e 62), estava apenas a estrela da companhia: Pelé. Já a Inglaterra fortaleceu ainda mais o time que conquistou a Copa quatro anos antes e tinha somente no envelhecimento de Bobby Charlton um sinal de alerta no Mundial.
A partida foi tomada por muito equilíbrio do começo ao fim. Dispostos a testar a defesa brasileira, os ingleses começaram propondo mais o jogo. Foram vários cruzamentos e finalizações de fora da área, que não levaram tanto perigo ao gol de Félix. O Brasil dava suas respostas e foi justamente a Seleção que teve o primeiro grande momento da partida.
Aos 10 minutos, Jairzinho recebeu um potente passe em profundidade de Carlos Alberto. Com a velocidade que lhe era característica, deixou os ingleses para trás e cruzou na medida para Pelé. O Rei subiu mais alto que todo mundo e cabeceou firme, para o chão, como manda o manual. Mas Gordon Banks pulou e se esticou todo para evitar o gol. Nascia ali aquela que é considerada por muitos a mais espetacular defesa da história do futebol. Aquela não seria a única bela intervenção de Banks na partida.
Encarregado por marcar Pelé durante toda a partida, Allan Mullery teve uma visão privilegiada da defesa. Recentemente, em entrevista ao site do Tottenham Hostpurs, da Inglaterra, o inglês descreveu o que viu naquele momento:
– Eu estava a alguns metros de distância, lembro de tudo. ‘Banksy’ foi de uma trave à outra, mergulhou e jogou a bola sobre o travessão. Foi a defesa mais maravilhosa que vi. Quando estava no chão, perguntei para ele: “Por que você não defendeu essa?”. Você pode imaginar o que ele me respondeu! Foi maravilhoso. Para mim, ainda é a melhor defesa de todos os tempos porque foi contra o melhor time do mundo, contra Pelé, em um jogo daquele na Copa do Mundo.
Momentos depois da jogada de Pelé, foi a vez do goleiro brasileiro brilhar em Guadalajara. Após cruzamento que veio da lateral-direita, Francis Lee apareceu sozinho dentro da área para testar contra o gol. Em um momento de puro reflexo, Félix fez a defesa em dois tempos, impedindo o tento inglês em uma ação milagrosa.
O cotejo seguiu lá e cá, com destaques para as partidas infernais que faziam Jairzinho e Paulo Cézar. Pelos ingleses, o destaque estava por conta da atuação de gala de Bobby Moore. O defensor distribui desarmes precisos e bons passes no gramado do Jalisco. Até hoje, seus botes certeiros em Jairzinho e Pelé são famosos na Inglaterra. Ao fim do primeiro tempo, no entanto, o placar seguiu inalterado: 0 a 0.
Mesmo sem substituições feitas, o Brasil voltou diferente para o segundo tempo. Rivellino passou a tomar conta do meio-campo e a Seleção começou a acumular chances perdidas. Primeiro, com Paulo Cézar, em boa finalização da ponta esquerda. Depois, Jairzinho não conseguiu alcançar o lançamento de Pelé. A Inglaterra ainda ameaçou com um chute de fora de Bobby Charlton, mas as ações da partida eram muito mais brasileiras naquele momento.
Com pouco mais de 10 minutos na segunda etapa, Rivellino fez grande jogada e bateu muito forte para o gol. A bola não foi tão colocada e Banks fez o necessário para espalmá-la o mais longe possível. Mas o lance era um prenúncio do que viria em seguida. Aos 15 minutos, Tostão enfileirou três marcadores ingleses na ponta esquerda e cruzou para a entrada da área. A bola encontrou Pelé, que num gesto tão simples quanto genial, rolou para Jairzinho. O Furacão da Copa não desperdiçou e anotou o primeiro gol do jogo. O Brasil liderava por 1 a 0 no Jalisco.
Atrás no placar, os ingleses se lançaram em busca do empate. Com um intenso chuveirinho na área brasileira, tiveram algumas boas chances de empatar. Alan Ball chegou a acertar o travessão. Mas a melhor chance caiu nos pés de Jeff Astle. O atacante do West Ham até conseguiu deslocar Félix, mas não acertou o gol brasileiro e perdeu a maior oportunidade de empate na partida, que terminou com vitória do Brasil por 1 a 0.
Ao fim do confronto, uma cena se imortalizou na história daquela Copa do Mundo. No centro do gramado, Bobby Moore e Pelé, os dois maiores astros de cada uma das Seleções, se abraçaram e trocaram camisas. Era um gesto de reconhecimento entre os dois pela grande partida que Brasil e Inglaterra acabavam de fazer.
BRASIL 1 x 0 INGLATERRA – COPA DO MUNDO DE 1970
Brasil: Félix; Carlos Alberto Torres, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo e Rivellino; Paulo Ceza, Jairzinho, Tostão (Roberto Miranda, 68) e Pelé. Técnico: Zagallo.
Inglaterra: Banks; Wright, Labone, Moore e Cooper; Mullery, Ball, Charlton (Bell, 63) e Peters; Hurst e Lee (Astle, 63)
Gol: Jairzinho (59)
CA: Lee
Você sabia?
– O duelo entre Brasil e Inglaterra era considerado por muitos uma “final antecipada” da Copa do Mundo.
– O chaveamento do Mundial permitiria que as equipes se reencontrassem na decisão, mas a Inglaterra acabou eliminada para a Alemanha Ocidental na fase seguinte.
– O respeito entre as duas equipes era tão grande após a partida que, anos depois, Zagallo classificou aquele jogo como “a verdadeira final” da Copa.
Há 50 anos…
Receosa pela decepção na Copa do Mundo de 1966, a imprensa nacional via no jogo contra a Inglaterra a chance de saber em que nível estava a Seleção Brasileira. Um ano antes, Brasil e Inglaterra haviam se enfrentado no Maracanã, com vitória brasileira por 2 a 1. Os ingleses, no entanto, tiveram uma boa atuação e foram castigados pelo cansaço físico no fim da partida. No México, a expectativa era por uma partida cheia de dificuldades, como se confirmou.
A maior especulação da imprensa naquele momento era pela presença ou não de Gerson no confronto. O jogador chegou a ser confirmado pelo médico Lídio Toledo na véspera, mas foi vetado horas antes da partida. Tida como o adversário mais difícil da Seleção em toda a Copa, a Inglaterra foi apresentada pelos jornais brasileiros como um exemplo clássico do antagonismo entre o futebol técnico e improvisado e um futebol pragmático e disciplinado. Dentro de campo, as duas equipes mostraram que nenhuma delas estava tão encaixada puramente nesses estereótipos.
Mas o resultado foi muito importante para a sequência da Seleção na Copa do Mundo. Não só pelos pontos que o Brasil ganhou, mas pela mudança no ambiente e na relação com a torcida. Com o triunfo por 1 a 0, toda a dúvida e desconfiança se transformou em festa e euforia. O Brasil havia provado que merecia a torcida do povo brasileiro e que estava pronto para retomar a coroa do futebol mundial. Não à toa, várias manchetes da época falavam em Carnaval e festa nas ruas. O Jornal O Globo fez essa exata referência: