Dependendo do alcance da concentração medicamentosa na corrente sanguínea de pessoas com tuberculose, ela pode evoluir para a cura ou para uma resistência, e consequentemente, falha terapêutica. Diante disso, uma pesquisa científica apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) buscou responder quais fatores estão relacionados aos diferentes níveis de medicamentos antituberculose encontrados no sangue dos pacientes atendidos na Policlínica Cardoso Fontes, unidade de referência no diagnóstico e tratamento da doença em Manaus.
Conforme o coordenador do projeto, Igor Magalhães, conhecer os fatores que afetam as concentrações de medicamentos na corrente sanguínea dos pacientes de tuberculose pode permitir estabelecer estratégias junto às unidades de saúde para individualizar a posologia e adequá-la às necessidades de cada indivíduo. O Amazonas é o estado com a maior taxa de incidência da doença no Brasil, com 72,4 casos por 100 mil habitantes.
Segundo o pesquisador, no estudo foram abordados somente pacientes com tuberculose pulmonar considerados casos novos, ou seja, pacientes que nunca haviam tratado a doença.
O estudo foi desenvolvido na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF), no Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV), unidades pertencentes à Universidade Federal do Amazonas (Ufam), em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por meio do Programa de Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde (PPSUS), chamada pública Nº 001/2013.
Enfermidade e tratamento – Igor Magalhães explica que a tuberculose é uma doença infectocontagiosa causada principalmente pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, sendo o pulmão o principal alvo da ação desse microrganismo. O quadro clínico clássico da tuberculose pulmonar inclui tosse persistente, com ou sem secreção, cansaço excessivo, falta de ar, febre baixa, mais comum à tarde, sudorese noturna, falta de apetite e perda de peso.
O pesquisador explica que, no Brasil, o tratamento padrão para a tuberculose é medicamentoso, padronizado pelo Ministério da Saúde, e utiliza a combinação de quatro antibióticos: a isoniazida, a rifampicina, a pirazinamida e o etambutol, em uma terapia com duração de, no mínimo, seis meses.
Segundo Magalhães, apesar da grande eficácia do esquema terapêutico, determinados pacientes não respondem adequadamente e ocorre o desenvolvimento de linhagens de micro-organismos resistentes aos fármacos utilizados para combater a infecção pulmonar.
Durante o estudo foi observado que, após a ingestão de um comprimido do mesmo medicamento, de mesmo lote, dois pacientes podem apresentar diferentes concentrações do fármaco no sangue, o que compromete a eficiência da terapia.
“Neste contexto, diversos pesquisadores têm buscado entender os determinantes das baixas concentrações dos fármacos antituberculose, mesmo em pacientes submetidos ao tratamento supervisionado”, explicou.
Identificar o efeito das concentrações medicamentosas na corrente sanguínea pode ajudar a individualizar a posologia para adequá-la às necessidades de cada paciente.
Controle terapêutico – Com o intuito de contribuir para o correto entendimento das possíveis falhas terapêuticas verificadas na região Amazônica, foram realizadas análises bioquímicas, moleculares e as concentrações dos remédios antituberculose encontradas nas amostras biológicas (sangue) de 222 pacientes, com idades entre 18 e 87 anos, diagnosticados com tuberculose pulmonar.
Para o estudo foi relacionada uma série de fatores: genéticos, sociodemográficos, clínico-laboratoriais, sexo, idade, escolaridade, ocupação, pacientes com doenças crônicas e comorbidades (diabetes e pacientes que relataram o uso de álcool e tabaco durante o tratamento).
“Estudos recentes sugerem que há diferenças entre as concentrações de medicamentos alcançadas no sangue devido a diversas razões, incluindo a constituição genética de cada paciente”, assinala o coordenador.
De acordo com ele, cada indivíduo absorve, metaboliza e elimina medicamentos em taxas diferentes que variam em função de idade, estado geral de saúde, e interferência de outros medicamentos que estejam utilizando.
A diabetes, por exemplo, ocasiona uma série de alterações no funcionamento do organismo no trato gastrointestinal, e também pode influenciar na absorção dos medicamentos antituberculose. No caso de absorção reduzida, a concentração do fármaco que alcança no sangue provavelmente será menor.
Para o pesquisador, é importante conhecer melhor o que pode estar influenciando nessas concentrações de medicamentos no sangue desses pacientes. Dependendo do resultado, será possível estabelecer estratégias junto com as unidades de saúde para fazer ou não ajustes de doses dos antibióticos.
Resultados – O estudo apontou baixas concentrações dos fármacos antituberculose no sangue dos pacientes. Segundo Magalhães, o resultado é mais expressivo para os medicamentos isoniazida e rifampicina – aproximadamente 60% dos pacientes apresentaram níveis considerados reduzidos dos medicamentos.
Dentre as variáveis empregadas no estudo para explicar os resultados, houve significância estatística entre o uso de álcool (etilistas) e metabolizadores rápidos da enzima N-acetiltransferase 2 (NAT-2), e concentrações reduzidas de isoniazida.
O estudou mostrou a alta prevalência de indivíduos que fazem uso de álcool, mesmo sob tratamento para tuberculose. Dentre eles, boa parcela apresentou baixos níveis de isoniazida, um dos principais fármacos elencados para o tratamento da doença. O dado alerta para a necessidade de orientação correta e acompanhamento terapêutico adequado para esses pacientes.
As baixas concentrações dos fármacos de primeira linha também foram relatadas em outros estudos realizados no mundo, por exemplo na Holanda, Turquia, Indonésia e África do Sul. Elas podem sugerir a necessidade de reavaliação da faixa terapêutica tida como referência na literatura.
No entanto, estudos adicionais devem ser realizados para avaliar o impacto da farmacogenética nestes resultados, bem como investigar a influência das baixas concentrações no desfecho do tratamento.
Casos no Amazonas – O Amazonas possui a maior taxa de incidência de tuberculose no Brasil, com 72,4 casos por 100 mil habitantes. Segundo o parâmetro do Ministério da Saúde, os números registrados são considerados altos. A taxa de incidência mede o risco de adoecimento na população, o que significa que o Amazonas é considerado o estado com maior risco de adoecimento por tuberculose no país e com a terceira maior taxa de mortalidade.
De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (Susam), o Estado registrou, em 2017, 3.060 novos casos de tuberculose. Em 2018, foram 3.163 casos registrados no Amazonas. Em 2019, até o momento foram registrados 563 casos novos.
*Com informações da assessoria*