Brasil não tem vacina suficiente para a primeria fase

Com ao menos 14,8 milhões de brasileiros no grupo prioritário, no presente momento, há apenas 10,8 milhões de doses da vacina contra a covid-19 em território nacional

Imagem: Marcelo Justo/UOL

Apesar da aprovação e do início da distribuição da CoronaVac em todo o país, ainda não há doses o suficiente para imunizar toda a população-alvo da primeira fase da vacinação.

Com ao menos 14,8 milhões de brasileiros no grupo prioritário, no presente momento, há apenas 10,8 milhões de doses da vacina contra a covid-19 em território nacional.

Como a imunização de uma única pessoa é garantida somente após duas doses, são necessários 29,6 milhões de doses nesta etapa.

Os 10,8 milhões de vacinas do país correspondem a 6 milhões de doses distribuídas entre os estados somadas aos 4,8 milhões já produzidos e que aguardam aprovação para uso emergencial por parte da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A quantia imuniza apenas 5,4 milhões de brasileiros, o equivalente a cerca de 2,5% da população do país.

O Instituto Butantan afirma que o acordo com a Sinovac garante a entrega de insumos suficientes para a produção de 46 milhões de doses no total.

Os materiais necessários para a produção da vacina vêm da China e, até a tarde de terça-feira (19), o instituto declarou que ainda não havia previsão de quando seria entregue o próximo lote.

Diretor do Butantan, Dimas Covas disse que a instituição aguarda a liberação de insumos pelo governo chinês há 15 dias. O instituto alegou estar dentro do cronograma de entrega de ao menos 8,7 milhões de doses até o fim de janeiro.

A primeira fase do plano de vacinação tem por alvo:

  • Profissionais de saúde;
  • Idosos com 75 anos ou mais;
  • Pessoas acima de 60 anos que vivem em casas de repouso e asilos;
  • População indígena aldeada em terras demarcadas;
  • Povos e comunidades tradicionais ribeirinhas.

Quantidade de doses preocupa especialistas

Especialistas afirmam que a quantidade disponível de doses é preocupante e alertaram para a dependência de importação dos insumos tanto para a produção da CoronaVac quanto para a vacina da AstraZeneca.

A sanitarista Bernadete Perez Coelho, vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) e professora da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), chamou a quantidade de doses disponíveis de “uma gota no oceano”.

Tem um marketing a partir de alguns gestores e disputa politica que não colocam o que tem no pano de fundo. Efetivamente, a gente tem o registro emergencial das 6 milhões de doses. Bernadete Perez Coelho, médica sanitarista e vice-presidente da Abrasco

O secretário da Saúde do estado de São Paulo, Jean Gorinchteyn, declarou na terça que não há vacina para todos os grupos prioritários. Por isso, salientou que, mesmo entre trabalhadores de saúde, haverá priorização de profissionais, levando em conta quem está na linha de frente contra a covid-19.

Se pegar só a população prioritária, [temos] uma parte é dos idosos, uma parte é dos indígenas e [tem] uma parte que não vai chegar a um décimo dos profissionais de saúde, porque vão priorizar aqueles que trabalham em UTIs. É uma gota no oceano, não dá para nada. Bernadete Perez Coelho, médica sanitarista e vice-presidente da Abrasco

Já o médico Juarez Cunha, presidente da SBim (Sociedade Brasileira de Imunizações), afirmou que, mesmo não sendo o ideal, a opção de priorizar determinados grupos dentro de uma população-alvo é a única possível no atual cenário.

Mas alertou para a demora que isso pode desencadear no calendário de imunização.

Não significa que as pessoas não devem ser vacinadas. Mas temos que trabalhar com a realidade. O que nos preocupa é que a realidade está mostrando que a nossa campanha provavelmente vai ter de ser muito mais lenta do que a gente imaginava. Juarez Cunha, presidente da SBim

Transferência de tecnologia

Os acordos de produção da CoronaVac e da AstraZeneca incluem a possibilidade de transferência de tecnologia para o Brasil —ou seja, para que todas as etapas de produção sejam realizadas no país. Isso eliminaria a dependência pelo envio de insumos, atual entrave enfrentado pelas autoridades para ampliar a vacinação.

O epidemiologista e professor da USP (Universidade de São Paulo) Paulo Lotufo disse que, mesmo com a transferência de tecnologia, o processo para a produção 100% em solo brasileiro pode demorar a ocorrer.

Se estivesse tudo certo para passarem [a tecnologia], levaria quase quatro, cinco meses, porque existe uma série de procedimentos a serem cumpridos.Paulo Lotufo, médico epidemiologista e professor da USP

“Tem muito a questão do controle de qualidade, como está sendo produzida [a vacina], e vai desde a questão inicial até a própria embalagem. Então não é assim de uma hora para a outra que se consegue fazer o medicamento”, acrescentou.

Cunha concorda e disse não ver no primeiro semestre de 2021 a possibilidade de transferência de tecnologia.

Não vejo a possibilidade, neste semestre, de termos capacidade de autonomia total de produção, porque tem uma série de passos que devem ser feitos direitinho para isso acontecer.Juarez Cunha, presidente da SBim

“O contrato de transferência de tecnologia já existe. Provavelmente nesses contratos devem ter estipulado o momento que isso vai acontecer [da autonomia]. Não sei dizer se isso tem uma data definida, até porque temos vacina que demoramos cinco, dez anos, para adquirir expertise e qualidade para produzir em capacidade igual ou superior à dos locais de origem”, declarou.

Pandemia não chegou ao fim

Bernadete Coelho observou que, apesar de a imunização ser uma boa notícia, a vacina não é “resposta única à pandemia”. A sanitarista mencionou a necessidade de manter medidas de proteção social, como uso de máscaras e distanciamento.

A gente tem visto aumento de casos em janeiro. Quanto mais veloz é a epidemia e a transmissão é mais ativa, maior a probabilidade de aparecerem mutações. Esse é o xis da questãoBernadete Perez Coelho, médica sanitarista e vice-presidente da Abrasco

*Com informações do UOL*