CPI revela que governo do AM recusou respiradores mais baratos

Empresa que ofereceu valor mais acessível vendeu respiradores para outra empresa que firmou contrato com a Susam, com uma diferença de quase R$ 500 mil

Informações levantadas pela CPI da Saúde foram repassadas em coletiva de imprensa na Assembleia Legislativa do Amazonas. — Foto: Patrick Marques/G1 AM

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga os gastos na saúde, instalada na Assembleia Legislativa do Amazonas, apontou que a Secretaria de Saúde do Amazonas (Susam) recusou proposta de um empresa com preço de respiradores mais barato. Segundo as informações da CPI, a empresa Sonoar, que ofereceu o valor mais acessível à Secretaria, vendeu os respiradores para a empresa FJP e Cia., que firmou o contrato com a Susam, com uma diferença de quase R$ 500 mil do valor que foi vendido para o Governo.

De acordo com o deputado estadual e presidente da CPI, delegado Péricles Rodrigues do Nascimento, a primeira irregularidade constatada durante o processo de compra dos respiradores foi no número de identificação dos modelos. No pedido que iniciou o processo de aquisição apresentado pela secretária de saúde do município, na época, o modelo dos respiradores era indicado para terapia intensiva de pacientes.

“Durante o processo de aquisição, e não se tem nos autos e ninguém sabe justificar o porquê, houve a mudança do modelo do aparelho. Era um, que passou para outro ID. São dois equipamentos diferentes. Um serve mais para transporte de pacientes, que é o que foi comprado, e o outro para terapia intensiva. Houve essa alteração, que não consta a motivação nos autos”, disse Péricles.

A Susam recebeu propostas de empresas no dia 8 de abril. Nesta data, segundo a CPI, foi constatado que o menor preço oferecido por elas foi da FJAP e Cia, que teve o contrato firmado com a Secretaria. No entanto, os equipamentos oferecidos eram diferentes do que havia sido pedido inicialmente. A CPI investigou e percebeu que outra empresa, a Sonoar, já havia oferecido respiradores à Susam, nos dias 1º e 2 de abril, com um preço inferior.

“A empresa [Sonar], que não consta na relação de cotação de preços da Susam, tinha informado um preço bem inferior das anteriores. Mais inferior até da que venceu. Ela fez uma proposta no dia 1º e, depois, ainda reduziu o valor de R$ 1 mil em um dos modelos em uma proposta apresentada no dia 2 de abril, só que não consta no processo, por alguma razão”, explicou o deputado.

Durante as investigações da CPI, o deputado estadual Péricles informou que a empresa que havia apresentado proposta nos dias 1º e 2 de abril vendeu os respiradores que havia oferecido para o Governo do Amazonas para a empresa que firmou acordo com a Susam. Os respiradores oferecidos pela primeira empresa, segundo Péricles, já estavam em Manaus, diferente do informado pelo governo de que os equipamentos teriam sido importados.

“Cai por terra a informação de que a empresa [FJAP e Cia] era a única importadora de Manaus que tinha condições de trazer os respiradores de fora, porque ela comprou em Manaus. Os produtos já estavam em Manaus e ela comprou da empresa que tinha oferecido [antes ao governo]”, disse.

Conforme as informações levantadas pela CPI, a primeira empresa – a Sonoar – vendeu os respiradores que já estavam na cidade para a empresa FJAP e Cia., a mesma que firmou contrato com o Governo no dia 8 de abril, às 15h01, no valor de R$ 2.480 milhões. FJAP vendeu para a Susam no mesmo dia, às 2h38, minutos após ter comprado da outra empresa, por um valor de R$ 2.976 milhões.

“Houve um lucro real aqui, de R$ 496 mil, em um intervalo de pouco mais de duas horas. Ou seja, ela lucrou quase meio milhão, nesse momento. Foi essa transação que aconteceu e constatamos durante as investigações”, comentou Péricles.

Ainda durante as investigações da CPI da Saúde, o deputado estadual Péricles informou, ainda, que a empresa que ofereceu a primeira proposta, com valor mais baixo, adquiriu os respiradores de outras empresas nacionais, com um valor de R$ 1.091 milhões. Uma diferença de R$ 1.414 milhões do valor vendido à FJAP, segundo o presidente da CPI.

“Tudo isso, em um intervalo de seis dias. Então, é muita gente ganhando a custo do poder público, da administração pública. Ela lucrou quase R$ 1 milhão e meio em um intervalo de seis dias, em um período de pandemia e que já havia muitas pessoas morrendo em Manaus. Nenhum desses agentes, seja quem autorizou, quem vendeu, estava pensando em salvar vidas, mas favorecendo o lucro o que está demonstrado na intenção dessas pessoas”, disse.

Depoimento 

A fisioterapeuta Luciane Vargas Andrade, dona da empresa Sonoar, é representante exclusiva de aparelhos respiradores e ventiladores em Manaus. Ela foi interrogada nesta sexta-feira pela CPI.

Em seu depoimento, ela afirmou que recebeu ligação dono da empresa FJAP e Cia, que firmou contrato com o Governo. Na ligação, o empresário teria perguntado quantos respiradores ela tinha para venda. Luciane disse, à CPI, que, a partir disso, vendeu os equipamentos com o mesmo valor oferecidos antes para o Governo.

Na sequência, a gerente de compras da secretaria de Saúde do estado, Alcineide Figueiredo Pinheiro, foi ouvida e tentou justificar porque descartou a proposta de menor valor, mas, inicialmente, não deu detalhes.

A CPI foi suspensa por alguns minutos. Ao retornar, após conversar com o advogado, a gerente de compras voltou atrás e começou a explicar sobre os trâmites com a empresa Sonoar. No entanto, ela suspendeu as declarações ao notar que estava sendo gravada.

A Rede Amazônica conseguiu captar o que foi dito por ela:

“Esse processo de 28 ventiladores não nasceu do nada. Nos tínhamos a proposta da Sonoar bem ates do dia primeiro… No meu celular, que foi apreendido consta, se não foi apagado, não sei como funciona por lá, consta em um áudio: Liga para a Luciane que ela tem…”. Nesse momento, Alcineide percebe que seu depoimento está aberto e, em seguida, para de falar.

O presidente da CPI da saúde informou que as informações levantadas durante a investigação também devem ser encaminhadas para órgãos de controle como o Ministério Público do Amazonas (MPAM), que também investiga os gastos com respiradores feitos pelo estado, e o Tribunal de Contas do Estado (TCE-AM). As investigações da CPI devem seguir, segundo ele, com o intuito de identificar responsáveis e outras irregularidades.

O que diz o governo

A Secretaria de Estado de Saúde (Susam) informou, por meio de nota, que tem todo o interesse em esclarecer os fatos investigados e vem prestando todas as informações e esclarecimentos requeridos não apenas pela Comissão Parlamentar de Inquérito como também aos órgãos de controle externo.

A Susam informou, ainda, que determinou abertura de sindicância interna. Além disso, uma auditoria nos contratos relacionados à pandemia do novo coronavírus está sendo feita pela Controladoria Geral do Estado (CGE).

Investigações sobre compra de respiradores 

O Ministério Público de Contas do Estado do Amazonas iniciou uma investigação no dia 17 de abril e cobrou respostas do governo sobre a compra dos 28 respiradores pulmonares para a rede pública de saúde. O Ministério deu o prazo de três dias para que o Estado apresentasse informações e justificativas sobre o preço da compra dos equipamentos e a escolha da empresa.

Na ocasião, por meio de nota, o governo do Amazonas informou que os fornecedores elevaram os preços dos produtos por conta da pandemia, e que consultam, diariamente, várias empresas. O governo alegou transparência.

Em 13 de maio, o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM) recomendou, por unanimidade, que a secretária de Saúde, Simone Papaiz, fosse afastada do cargo e que os pagamentos à empresa FJAP e Cia Ltda, fossem suspensos. Papaiz ainda foi multada em R$ 75.099,15 por graves infrações às normas legais no processo de dispensa de licitação para compra dos respiradores, omissão em atender a determinações do TCE-AM e apresentar documentos e/ou justificativas à Corte de Contas.

A Susam afirmou, por meio de nota, que os processos de compra foram feitos de forma transparente, conforme determina a lei. Ainda conforme a secretaria, todos os documentos, desse e demais processos, de compras de bens e serviços da Susam estão disponíveis no Portal da Transparência, na época.

Na quarta-feira (10),o Ministério Público do Amazonas (MPAM) deflagrou a Operação Apneia, para investigar a compra de ventiladores respiratórios sem dispensa de licitação pela SUSAM. Empresários e ex-secretários de Saúde foram alvos.

“Os elementos de prova colhidos, até o presente momento, apontam que a contratação, acima referida, foi direcionada para que determinada empresa fosse escolhida para fornecer equipamentos médicos para a Susam, fornecimento esse que apresenta fortes evidências de superfaturamento”, disse o Ministério Público.

A operação, segundo o MPAM, aconteceu após a Susam ter mostrado resistência e não fornecer documentos solicitados sobre a compra de 28 respiradores pulmonares.

*Com informações do G1